Esta é a nossa história, contada de forma simples e pelo olhar de quem a viveu sempre na primeira pessoa.
CAPÍTULO 01 | O efeito gravata
Para ouvir pela voz do Pedro, clique aqui
1992. Em Maastricht assinava-se o tratado para a União Europeia, em Barcelona os Jogos Olímpicos acendiam a chama, em Sevilha era inaugurada a Exposição Universal, a SIC arrancava a primeira emissão, o Eusébio ganhava uma estátua na Luz e na Vila da Batalha, quatro jovens adultos empreendedores sonhavam ter uma agência de publicidade.
O Rui, o Luis António, o António e o Carlos. Três eram bancários e um era contabilista. Dois eram fundadores, directores, programadores e locutores da saudosa Rádio Batalha. O desporto e o associativismo eram, naquela altura, excelentes formas de ocupar o tempo e, ao mesmo tempo, de contribuir activamente para a comunidade. Todos eles eram bastante activos e estavam em todas, desde muito cedo na adolescência.
O mundo e o dinheiro da CEE estava a entrar por Portugal adentro e a economia estava em euforia. Os fundos comunitários e os subsídios para novos projectos ajudavam a sonhar, e o projecto da tal agência de publicidade foi ganhando forma.
No notário, formalizaram-se processos e os quatro criaram uma nova empresa. Eram quatro, faziam parte do sistema, logo, era inevitável que o nome do projecto fosse, Sistema4.
Em boa verdade, o sonho de ter uma agência de publicidade nasceu do contacto com algumas agências de Lisboa, que contactavam a Rádio Batalha para campanhas regionais. Este facto e as diversas candidaturas aos fundos comunitários deram corpo ao desejo, e meteram-se mãos à obra para desenvolver o projecto com direito ao bilhete para o Eldorado.
Orçamentos, argumentos, contactos, projecto de investimento: feito. Mas era necessário ter equipa. Um contabilista, três bancários e dois locutores nas horas vagas, não chegava. Era necessário contratar um desenhador, ou um publicitário, ou um escritor, ou um fotógrafo, ou qualquer outro artista que pudesse assinar pelo cargo de director criativo.
Foi fácil, demasiado fácil. Os quatro tinham um amigo de infância, contemporâneo, que também fazia programas na rádio, era director nas mesmas associações, tinha jogado nas mesmas equipas a vida inteira, saía à noite para os mesmos lugares, era do grupo e tinha jeito para o desenho, era engenhocas, dava uma mãozinha na Gráfica da Batalha, fazia uns logotipos, era meio maluco e já tinha estudado um ano nos USA. Perfeito, era o gajo certo para o lugar. Foi feito o convite e o Pedro aceitou na hora.
Na altura, os bancários ainda usavam sempre gravata, sinal de seriedade, competência e até de superioridade. O Pedro, sempre positivo, pensou: "se têm gravatas é porque sabem o que estão a fazer, e assim vou poder criar todos os dias sem me preocupar com mais nada”.
CAPÍTULO 02 | Roda bota fora
A desejada candidatura de apoio financeiro a jovens empresários, FAIJE IV, ficou pronta e chegou o dia de a defender em Lisboa, no Palácio das Laranjeiras, ali em Benfica.
Foram dois bancários, um contabilista e uma-espécie-de-director-criativo sempre pronto para tudo. A audição não podia ter corrido pior, e nem a contratação caríssima de um craque lisboeta destas coisas das aprovações conseguiu alcançar o sucesso desejado. Os quatro regressaram a casa com um rotundo não.
Sempre que se visita o bendito projecto, é impossível não rir às gargalhadas ao imaginar a conversa entre os auditores após a saída do quarteto fantástico, tal era a quantidade de disparates que continha. Um estúdio de gravação audio profissional topo de gama para servir as rádios locais, duas viaturas Toyota Corola, três workstations Macintosh, cinco postos de trabalho Cortal, impressoras laser e muito mais! É verdade que a Batalha, a vila heróica, merece sempre tudo, mas talvez tenha havido excesso de confiança.
A candidatura foi reprovada, e o investimento no desenvolvimento do processo juntamente com a quantia paga ao expert alfacinha resultava, agora, num saldo negativo na jovem empresa. O futuro ainda não tinha começado e já estava tudo em causa.
A empresa estava criada, o nome e o logotipo também. Não existiam ainda clientes, mas já tinha um funcionário. Os quatro reuniram-se e decidiram avançar assim, mesmo sem o tal apoio da CEE. Nessa reunião decisiva, todos menos o Carlos, assumiram que abandonariam a banca e contabilidade em favor da empresa caso esta viesse a precisar dos seus serviços a tempo inteiro. Os outros três não concordaram com a posição do Carlos, este resignou e abandonou a sociedade.
No dia seguinte, o Pedro foi desafiado para ser o novo sócio da empresa. Mais uma vez a resposta foi rápida e, de novo, as gravatas falaram mais alto. Bem. Mais ou menos… a vontade de integrar um projecto para fazer o que se gostava foi determinante, mesmo sendo filho de dois discretos funcionários públicos modelo, que sempre viram a vida sem riscos, pensada e previsível.
Um Quadra 900, um monitor 21”, uma impressora e um scanner a preto e branco - tudo Mac - um leasing e a amizade da Lis Sistemas Lda foram o primeiro grande investimento que ocupava metade da pequena sala cedida pelo sócio contabilista, em plena Praça Mouzinho de Albuquerque, de frente para o Mosteiro Monumento Património da Humanidade.
Pedro era, então, o único funcionário, enquanto os outros sócios iam dando o apoio possível em pós-laboral, fazendo os primeiros contactos com novos clientes.
Os primeiros projectos foram de clientes dos sócios contabilistas, que já conheciam algumas empresas na região e outros projectos que o Pedro trouxe do seu freelance.
CAPÍTULO 03 | Casamento, apartamento
Os dias passavam devagar, sem fazer grandes contas ao tempo, explorando novas tecnologias, relegando o grande estirador, o papel vegetal e a dúzia de canetas rotring tinta-da-china para utilizações cada vez mais pontuais. Até o compressor que dava ar e vida ao aerógrafo passou a ser apenas uma incontornável curiosidade para todos os estagiários que vieram mais tarde.
O Freehand, essa ferramenta extraordinária da Macromedia, na sua versão 7.0, passou a ser o melhor amigo e o Photoshop 3.0 começou a fazer os primeiros milagres. Foi aqui que todo um mundo analógico, admiravelmente manual e artístico, começou a decair. O digital começava a ganhar espaço em todo o lado e o design gráfico não foi excepção.
Um mundo de possibilidades, efeitos e soluções abriu-se como que por magia, e o tempo passou a ter todo um novo significado. O que até ali demorava uma semana a fazer, reduzia-se a dois ou três dias, o que demorava uma manhã, despachava-se numa hora. Fotografias, texto, fontes tipográficas, cores, formas, texturas, transparências, tudo num só monitor, tudo num só plano, tudo na ponta de cada click. Não parecia haver impossíveis.
À ilusão e entusiasmo sucederam-se algumas reuniões com empresas da região que, apesar da proximidade e simpatia, tinham alguma dificuldade em apostar numa agência de publicidade da Batalha. As primeiras semanas foram sobretudo para concluir os projectos que vinham da vida freelance do Pedro e pequenos trabalhos gráficos isolados que pingavam do gabinete do Rui e do António.
O pequeno gabinete-estúdio com menos de seis metros quadrados, bem no centro da vila onde todos se conheciam, porta com porta com um tradicional salão de cabeleireiro - a Fernanda - não tinha identificação, mas já suscitava curiosidade.
O Pedro era da terra, conhecido por todos, um indeciso entre o beto-província e uma grande aptidão para o risco e para o disparate. Uns achavam que tinha jeito para o desenho, outros achavam que era maluco mas tinha ideias, para outros era conhecido por ter estudado n’América, mas uma boa parte achava que era só mais um “tacho”, fruto da companhia dos engravatados. Poucos sabiam da realidade diária de uma agência de publicidade e, durante algum tempo, foi apenas “mais um gabinete de desenho”.
O Pedro, como único funcionário, assumindo quase todas as funções de uma pequena agência de publicidade, começou a ficar curto. Pensar, criar, desenhar, escrever, maquetizar, fotografar, falar com o cliente, levar, trazer, facturar e receber, mesmo com a ajuda em part-time dos sócios contabilistas, tornou-se rapidamente num pesadelo. O futuro não era suposto continuar a ser freelancing.
A oportunidade conjugou-se com a necessidade, e o primeiro de muitos colaboradores que viriam a ter o seu primeiro emprego no sector da publicidade e marketing, entrou ao serviço. O Félix, primo direito do Rui, tinha terminado há pouco o serviço militar obrigatório e, após uma curta passagem por uma pequena empresa de fitas adesivas, foi convidado a dar uma ajuda naquilo em que fosse preciso. Não tinha nenhuma formação específica, mas tornou-se rapidamente num elemento muito útil no apoio a todas as acções, serviços e projectos que começaram a aparecer. O Félix vestiu a camisola e não virava a cara a nada.
Apesar de tudo, o Pedro e o Félix garantiam boas perspectivas, e começou aí a procura por um espaço maior e mais adequado ao projecto.
A Batalha, como tantas outras vilas, estava em franco desenvolvimento, com novas urbanizações a definir novos limites. A Célula B, nome de projecto, mas que passou a ser de uso comum, prometia ser a Nova Batalha e já tinha dois blocos construídos.
Foi dito e feito. Os quatro sócios juntaram-se, meteram as suas assinaturas ao barulho e fizeram um empréstimo na Caixa de Crédito Agrícola e Mútuo da Batalha a favor da empresa. Doze mil contos depois, foi uma sensação bem estimulante poder estrear um T3 convertido em escritório, com os quartos a servir de gabinetes para os sócios, a sala adaptada a open space criativo e a cozinha a estúdio de montagens e maquetes com o enorme estirador a ocupar metade do espaço.
Agora sim, começava a ter ares de agência de publicidade.
Os dois sócios contabilistas dividiam pontualmente um dos quartos... melhor, uma das salas com o Félix e com o Luis, o outro sócio bancário ainda em part-time, que tinha sempre muito bom ar, era bem-falante e uma cultura geral acima da média.
O Luis começou, nas horas vagas, a tentar fazer new-business (na altura dizia-se arranjar clientes). O seu charme natural e o contacto com a Rádio Batalha davam-lhe todas as condições para ser um excelente relações públicas, e era.
A segunda sala, a maior, foi adaptada a sala de reuniões, onde era suposto receber clientes e convencê-los a trabalhar com a melhor agência de publicidade… da Batalha.
A terceira sala ficou para o Pedro, que nunca se tinha imaginado com aquela qualidade de vida. Um escritório novo, só para ele, com vista panorâmica para a futura praça nova da vila. Um luxo.
O futuro já tinha sítio para acontecer.
CAPÍTULO 04 | Semente de pinho
O primeiro dos primeiros, o projecto que mereceu esse nome, foi uma serração, a Sermabal, que como o nome sugere, era a Serração de Madeiras da Batalha. Esta empresa, sim, era cliente do gabinete de contabilidade, já contava na altura com muitos anos de madeira serrada e atravessava um período de sucessão geracional. O Rui, grande craque e ídolo do futebol local e filho mais velho entre três irmãos, começou a acreditar que toda a experiência e conhecimento acumulados, com a dose certa de inovação, design e promoção, podiam fazer crescer a empresa e, quem sabe, talvez fazê-la voar.
O restyling do logotipo da serração foi o primeiro desafio e deu origem à primeira factura. Vinte e cinco mil escudos foi quanto custou, aliás, era esse o valor que o Pedro cobrava pelos seus logotipos como freelancer.
Olhar para o logotipo nos dias de hoje provoca apenas um sentimento de nostalgia e pouco mais. O nome, em perspectiva 3D com os veios da madeira representados com traços orgânicos, ainda foi desenhado, primeiro a carvão sobre papel, depois passado a papel vegetal com tinta da china e, só por fim, digitalizado e vetorizado. Fez o seu tempo.
No arranque dos anos noventa, o país já começava a colher os frutos da entrada na CEE, meia dúzia de anos antes. O mercado modernizava-se e instalavam-se novos hábitos de consumo, naquele registo de viver o presente sem fazer grandes contas para o futuro.
Também no sector do mobiliário a tendência já apontava para o monte-você-mesmo, e o projecto seguinte da Sermabal foi um desdobrável, criado e produzido para promover e acompanhar uma nova linha de mobiliário modular em madeira, para arrumação doméstica, batizado com a marca: K.I.S.S.-System - Linha Batalha.
Foi um suporte gráfico simples, já executado com o Freehand 7, que continha um esquema técnico para a montagem dos diversos módulos e uma fotografia do conjunto.
Naquela altura, com os poucos contactos disponíveis e a escassez de soluções ao nível de estúdios fotográficos com boas dimensões na região, a fotografia acabou por ser realizada na garagem de um amigo, fotógrafo de casamentos, com um rolo de alcatifa cinza a fazer de ciclorama. Não havia budget para o casting e foi recrutada, mais ou menos à força, a mulher do fotógrafo e um outro amigo, para preencher o set e humanizar a ação. O resultado final pode-se classificar como eficaz quanto baste para aquela altura, e como até à data os figurantes também nunca reclamaram direitos de imagem, deduz-se que foi um trabalho bem sucedido.
O K.I.S.S. abriu portas para novas encomendas e novos mercados. Foi o seu sucesso que deu início a um projecto maior no mercado do mobiliário modular nacional, de nome Dom Pinho. Esta marca de mobiliário modular doméstico em pinho maciço, que esteve presente de norte e sul do país em muitos pontos de venda, chegou dez anos antes da abertura da primeira loja IKEA em Portugal.
Foi com a Dom Pinho que se iniciou o desenvolvimento de novas e diversas competências, como sinalética, outdoors, catálogos e tantas outras peças que alimentaram a comunicação do projecto durante alguns anos.
(continua)